Um áudio amplamente compartilhado nas redes sociais, no qual uma voz que supostamente seria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, critica veementemente o “vocabulário golpista dos evangélicos” e promete proibir termos religiosos como “senhor dos senhores” e “senhor dos exércitos”, foi comprovadamente gerado por Inteligência Artificial (IA). A informação foi confirmada pelo Projeto Comprova após uma minuciosa investigação que envolveu ferramentas de detecção e a análise de especialistas.
A Falsificação Digital: Como o Áudio Foi Produzido e Descoberto
A gravação, que alega que Moraes faria declarações sobre a proibição de expressões de fé, não possui nenhum registro público ou oficial. Uma busca exaustiva por notícias sobre tais afirmações do ministro não encontrou nenhum resultado, reforçando a natureza fabricada do conteúdo.
O consultor em inteligência artificial Pedro Burgos foi crucial na identificação das inconsistências. Ele apontou diversos elementos que indicam a adulteração digital do áudio:
- Pontuação Inconsistente: O fim das frases no áudio nem sempre é pontuado adequadamente, um “problema comum de modelos geradores de áudio”.
- Ritmo Anormal da Fala: O ritmo da fala é artificialmente constante, e há uma notável ausência de pausas para respirar, características incomuns em discursos humanos naturais.
- Acústica Unificada: A acústica da voz falsa se mantém constante, como se estivesse em um vácuo, sem a variação de eco ou reverberação que seria esperada de uma gravação em um ambiente real.
Além da análise especializada, o conteúdo foi submetido a duas plataformas de detecção de IA. A Hive Moderation indicou uma pontuação agregada de 33,8% de chances de o conteúdo ter sido criado por IA, enquanto a ferramenta Hiya/Invid foi ainda mais conclusiva, apontando 93% de chances de geração por inteligência artificial.
O Rastro da Desinformação: Quem Está Por Trás da Criação e Disseminação
Um forte indício da falsidade do áudio é sua origem. Ele foi inicialmente publicado por um perfil no Instagram conhecido por criar e divulgar áudios falsos de figuras públicas e políticas. Este autor já foi verificado pelo Comprova em outras ocasiões e, inclusive, já havia manipulado a voz de Alexandre de Moraes em uma postagem anterior, conforme revelado por uma checagem do Estadão Verifica.
O modus operandi desse criador é sempre o mesmo: ele se filma reproduzindo os áudios supostamente “vazados” diretamente de seu próprio celular, geralmente acompanhando-os de críticas à personalidade alvo. Além de Moraes, outras vítimas de suas falsificações incluem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o jornalista William Bonner.
Após a publicação inicial em 4 de dezembro, o conteúdo foi rapidamente disseminado por outras contas focadas em compartilhar conteúdos de direita. Uma dessas republicações atingiu um alcance massivo, acumulando 380 mil curtidas no Instagram até a data da checagem. Nos comentários, tanto do vídeo original quanto dos compartilhados, muitos usuários demonstraram ter acreditado na autenticidade do áudio.
O Comprova tentou contato com o perfil original que divulgou a falsificação e com outros responsáveis pela disseminação, mas as tentativas não obtiveram resposta.
Por Que a Farsa Convenceu: As Táticas de Camuflagem da IA
Apesar das evidências de IA, o áudio conseguiu enganar um número significativo de pessoas. Isso se deve a técnicas específicas utilizadas para mascarar os erros comuns de conteúdos gerados por inteligência artificial. Pedro Burgos explicou que o áudio foi manipulado para soar como uma gravação autêntica.
“Não parece ser o áudio original. Tem algo que parece um corte simulado, como se o microfone se afastasse. Isso dá um tom mais genuíno”, explicou Burgos, destacando a habilidade em simular uma gravação real.
Outro ponto crucial foi o uso de uma música de fundo constante. Essa trilha sonora serviu para esconder pontos no áudio que poderiam entregar sua natureza sintética, como pequenas falhas na voz ou transições abruptas.
Esses componentes técnicos, somados ao fato de a figura de Alexandre de Moraes ser frequentemente alvo de teorias da conspiração, contribuíram para que o conteúdo ganhasse um alcance e uma credibilidade inflados, especialmente entre comunidades que já possuem uma rejeição ao magistrado.
A Metodologia da Investigação
O Projeto Comprova, uma aliança de 42 veículos de imprensa brasileiros dedicada ao combate à desinformação, submeteu o áudio a rigorosas verificações. Isso incluiu a análise pelas ferramentas de detecção de IA Hive Moderation e Hiya/Invid, a consulta ao especialista Pedro Burgos em inteligência artificial, e a tentativa de contato com a assessoria de imprensa do STF, que não respondeu. A ausência de qualquer notícia sobre o conteúdo do áudio também foi um fator determinante para confirmar que se tratava de uma invenção.
A investigação foi aberta devido ao alto alcance e engajamento que a publicação obteve nas redes sociais, alinhando-se à missão do Comprova de monitorar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais. SBT e SBT News fazem parte desta importante aliança.
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